Direito ao Silencio
Em um cenário onde garantias constitucionais frequentemente são postas à prova em nome da eficiência da persecução penal, decisões que reafirmam o papel da defesa e a importância das prerrogativas da advocacia tornam-se verdadeiros marcos na preservação do Estado Democrático de Direito. É exatamente esse o caso do recente julgamento proferido pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que trancou um inquérito policial instaurado contra advogados por orientarem seus clientes a exercerem o direito ao silêncio. Esse episódio não apenas reacende o debate sobre os limites da atuação do advogado frente à autoridade policial, como também impõe uma reflexão urgente: até onde vai o poder do Estado na investigação criminal, e até onde se estendem as garantias que protegem o cidadão? A seguir, analisamos essa importante decisão e seus desdobramentos jurídicos e institucionais.
Dr. Augusto Costa Jácome


Orientar o cliente a permanecer em silêncio não é crime: TJGO reforça prerrogativas da advocacia
Por Augusto Costa Jácome – Advogado Criminalista
O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) proferiu recente e relevante decisão no Habeas Corpus nº 5626313.79.2024.8.09.0000, que reafirma um princípio essencial do Estado Democrático de Direito: a atuação do advogado, quando orienta seu cliente a exercer o direito ao silêncio, é legítima, legal e jamais pode ser criminalizada.
A decisão, proferida pela 1ª Câmara Criminal do TJGO, trancou inquérito policial instaurado contra seis advogados investigados por suposto embaraço à investigação, simplesmente por terem orientado seus clientes – alvos de operação policial – a permanecerem em silêncio durante interrogatório. Trata-se de um importante precedente contra a tentativa de criminalizar o exercício das prerrogativas profissionais da advocacia.
Direito ao silêncio: um direito fundamental
O direito ao silêncio não é um favor concedido pelo Estado. É um direito constitucional assegurado a todo investigado ou acusado, previsto no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, e regulamentado pelo artigo 186 do Código de Processo Penal. Trata-se de uma garantia contra a autoincriminação, ou seja, ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo.
Nesse contexto, a orientação do advogado para que o cliente exerça esse direito não é apenas legal, mas um dever ético e profissional. O advogado, enquanto defensor dos direitos e garantias do cidadão, não pode ser punido por cumprir exatamente aquilo que a lei e a Constituição lhe autorizam – e determinam.
As prerrogativas da advocacia estão acima de suspeitas infundadas
O artigo 7º, inciso II, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), garante ao advogado a inviolabilidade de sua atuação no exercício da profissão. A criminalização de sua atuação legítima viola frontalmente não só esse dispositivo legal, mas toda a lógica do processo penal acusatório e democrático.
Na decisão do TJGO, o relator, desembargador Itaney Francisco Campos, foi enfático ao afirmar que a orientação ao silêncio “não configura embaraço nem crime, mas manifestação legítima do direito de defesa”. Por maioria, a Câmara entendeu que não havia justa causa para a continuidade da investigação.
A decisão não é apenas uma vitória individual daqueles advogados, mas um marco na proteção do livre exercício da advocacia. A atuação do advogado não pode – e não deve – ser interpretada como crime, especialmente quando se limita a orientar seu cliente com base em direitos fundamentais.
Tentativas de intimidação da defesa devem ser firmemente repelidas
Nos últimos anos, observa-se, em diversas partes do país, um preocupante avanço de práticas que buscam enfraquecer o papel da defesa no processo penal. Advogados têm sido alvos de inquéritos e medidas abusivas por simplesmente exercerem suas funções. Essas práticas configuram verdadeiro abuso de autoridade e devem ser combatidas com rigor.
A criminalização da defesa é incompatível com o Estado de Direito. Permitir que o advogado seja investigado ou processado por orientar seu cliente a permanecer em silêncio é abrir as portas para a destruição do contraditório e da ampla defesa.
Conclusão
O julgamento da 1ª Câmara Criminal do TJGO deve ser celebrado por toda a comunidade jurídica. Ele reafirma que o advogado não é cúmplice de seu cliente, tampouco partícipe de qualquer conduta criminosa pelo simples fato de orientá-lo juridicamente. Ao contrário: é indispensável à administração da Justiça, conforme prevê o artigo 133 da Constituição Federal.
Que essa decisão sirva como alerta a autoridades que, por vezes, ultrapassam os limites da legalidade em nome de uma pretensa eficiência persecutória. A defesa não é obstáculo à Justiça – é sua garantia.
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